Por Miguel Moutinho, Presidente da ANIMAL ©
A indústria tauromáquica em Portugal (assim como noutros países, diga-se) está, mais do que nunca, numa situação de crise de aceitação social e de apoio político (algo que tem cada vez menos, enfrentando cada vez mais oposição e crítica ou, pelo menos, distanciamento), o que tem também reflexos económicos. É, por isso, uma indústria que, mais do que nunca, se encontra em estado de verdadeiro desespero. E, como indústria que é, tem estado a apresentar inúmeras evidências de quão ameaçada se está a sentir, o que teve o seu pico numa primeira manifestação pró-tauromaquia em frente ao Campo Pequeno (a primeira manifestação do género alguma vez feita, que confessou, de forma explícita, quão social e politicamente pressionada está esta indústria). Esta indústria está também a tentar dar respostas aos seus críticos e a preparar contra-ataques para defender a tauromaquia. Isto tem vindo a acontecer, e sabe-se que será intensificado, mas é algo que está condenado ao insucesso, não só porque é uma indústria que desenvolve uma actividade indefensável – a de torturar animais em nome do entretenimento – mas também porque todas as linhas de resposta ou contra-ataque da indústria tauromáquica são ostensivamente inválidas, inúteis e não respondem nem resolvem o problema que se lhes coloca. Numa série de artigos, da qual o presente faz parte, a ANIMAL analisa, individualmente, e com base em factos, na razão e numa ética universal e objectiva, cada resposta / contra-ataque da indústria tauromáquica às críticas que enfrenta.
1) Tem sido frequente, e começa a ser uma insistência muito repetida, a alegação feita pelos defensores das touradas de que as pessoas que se opõem às touradas são uma minoria, enquanto as pessoas que gostam de touradas são uma maioria. O raciocínio que preside a esta alegação é o seguinte: do facto de haver poucas dezenas ou centenas de activistas contra as touradas a participar nas manifestações semanais promovidas pela ANIMAL em frente ao Campo Pequeno quando ali há tourada, enquanto alguns milhares de aficionados entram na praça para assistirem às mesmas touradas, pode-se concluir que o mesmo ocorre, em termos globais e de forma proporcional, na sociedade portuguesa: poucos opõem-se às touradas enquanto muito mais gostam delas e querem que elas continuem.
Esta ideia enferma, antes de mais, de um problema de raciocínio evidente: generaliza a partir de casos particulares não representativos do fenómeno sobre o qual a generalização é feita. Tomemos como exemplo a noite de 7 de Maio do ano corrente, em que cerca de 200 pessoas participaram na manifestação anti-touradas promovida pela ANIMAL que decorreu no Campo Pequeno, enquanto cerca de 7.000 aficionados terão entrado na Praça de Touros do Campo Pequeno para assistir à tourada que ali decorreu. Significa isto que há apenas 200 pessoas que se opõem às touradas e 7.000 pessoas a favor destas? Claro que não. Significa isto que, proporcionalmente, há muito menos pessoas que se opõem às touradas na sociedade portuguesa enquanto muitas mais são a favor delas? Também não. E porquê? Porque aquela situação particular não é de todo ilustrativa / representativa da sociedade – que é maioritariamente composta por indivíduos que nem são aficionados das touradas, nem são activistas anti-touradas. Uns gostam de touradas, outros são-lhes indiferentes e outros detestam-nas e querem que elas sejam proibidas. Só estudos científicos, que tenham por base perguntas formuladas de forma correcta, clara e não dirigida, que sejam realizados por empresas de sondagens qualificadas e insuspeitas e que sejam rigorosamente preparados por profissionais de sociologia e estatística, por exemplo, é que poderão dar respostas válidas neste sentido. E a verdade é que as poucas sondagens com cientificidade e rigor que existem sobre o assunto das touradas apresentam resultados que indicam que uma percentagem grande ou muito grande dos portugueses não gosta de touradas. Segundo uma sondagem DN/Marktest de 25 de Julho de 2002, já nesse ano havia 74,5% dos portugueses que não gostavam de qualquer tipo de touradas, com ou sem morte dos touros na arena. Cinco anos depois, uma resposta formulada em termos mais fortes pelos portugueses (no sentido em que se pronunciaram acerca da proibição das touradas e não apenas sobre se gostam delas ou não) foi apresentada no contexto de uma sondagem MetrisGfK/CIES/ISCTE, realizada entre Fevereiro e Março de 2007, segundo a qual 50,5% dos portugueses queriam, já há mais de dois anos atrás, as touradas proibidas em todo o país (enquanto apenas 39,5% discordavam de uma tal proibição), enquanto 52,4% dos portugueses queriam que não fossem autorizadas touradas nas cidades e vilas onde residem, nomeadamente através da transformação oficial destas localidades em cidades ou vilas anti-touradas (enquanto apenas 36,8% discordavam desta medida). Significa isto que os estudos preparados e realizados de forma rigorosa e científica mostram exactamente o contrário daquilo que os defensores das touradas gostariam que acontecesse – a maioria expressiva ou extremamente expressiva dos portugueses quer as touradas proibidas ou, pelo menos, não gosta de qualquer tipo de touradas.
Há ainda um outro aspecto que deve ser referido a propósito dos números de apoiantes e opositores das touradas – e que é importante para compreender as dimensões de quaisquer movimentos com visões opostas integrados em qualquer área da sociedade portuguesa. Há manifestações anti-touradas que têm apenas 50, 100 ou 200 participantes. Mas também há manifestações anti-touradas que têm 500, 1.000 ou 2.000 participantes. Num país onde é incomum as pessoas manifestarem-se nas ruas por razões éticas e estritamente altruístas – em defesa dos direitos dos animais, em defesa dos direitos humanos, em defesa da conservação da natureza ou da protecção do equilíbrio ecológico do planeta, etc. –, o número de manifestantes nunca pode ser visto como um sinal proporcionalmente representativo do número de apoiantes da causa que esse movimento que se está a manifestar tem. Por exemplo, uma manifestação de extrema-direita, se estiver bem organizada e conseguir mobilizar todos os seus apoiantes, pode conseguir ser bastante participada – mas tal não significará que a maioria dos portugueses se revê naquela visão política. E, do mesmo modo, se uma acção de protesto contra a tortura de prisioneiros políticos promovida pela Amnistia Internacional tiver apenas 20 manifestantes, daí não se seguirá – ao contrário do que implicaria a lógica dos aficionados das touradas – que só uma minoria de portugueses é que se opõe à tortura de prisioneiros políticos.
Por último, a propósito de questões éticas, de maiorias e minorias, de democracias, votações e referendos, é ainda fundamental estabelecer o seguinte ponto. Uma questão ética deve ser analisada e tratada com base em factos relevantes para a discussão, para o tratamento dos quais em tudo releva o recurso à melhor informação cientificamente obtida e validada que estiver disponível acerca desses factos e que seja relevante para a discussão, e por meio do uso de raciocínios válidos e de um genuíno interesse em chegar a conclusões verdadeiras – e não às que são apenas convenientes. Ora, se de uma tal análise de questões éticas como as touradas, a tortura de prisioneiros políticos, etc., resultar a conclusão de que são práticas eticamente condenáveis que não devem ser permitidas em circunstância alguma, isso será o bastante para levar sociedades, governos e parlamentos a pôr termo a essas práticas. É com base neste processo de análise e decisão ética que se devem tratar questões éticas e não com base em gostos subjectivos variáveis de indivíduos ou na opinião eventualmente mal-informada de maiorias ou minorias. É por isso que, se por um lado é, apesar de tudo, nas democracias que os direitos humanos e os direitos dos animais são mais respeitados e protegidos, por outro lado, o respeito pelos direitos humanos e pelos direitos dos animais nunca deve depender do que pensam as maiorias acerca destes direitos. São direitos que nunca devem ser votados nem devem ser referendados. São valores de tal maneira fundamentais, que devem estar consagrados nas constituições políticas dos estados e que, independentemente das orientações políticas de quem governe os estados e de quem eleja quem os governe, devem estar sempre juridicamente protegidos. Não o fazer será errado, injusto e extremamente perigoso. Segue-se daqui que, apesar de ser verdade que a maioria dos portugueses se opõe às touradas, não é isso que faz com que elas sejam erradas e devam ser abolidas. Pelo contrário, é porque há factos e razões morais apoiadas nesses factos que fazem com que as touradas sejam erradas e devam ser abolidas que, felizmente, a maioria dos portugueses já percebeu e concluiu que elas devem ser proibidas.
2) É também comum os defensores das touradas dizerem que “a tourada é o segundo espectáculo pago com mais espectadores a seguir ao futebol”, aqui alegando que, como tal, do suposto grande interesse do público que a tourada teria (e que não é verdadeiro, como de seguida se demonstra), resultaria a implicação de que a tourada seria imediatamente aceitável.
Esta afirmação – além de ser totalmente irrelevante para a discussão porque em nada contribui para fazer das touradas uma prática eticamente aceitável – é objectivamente errada e falsa. Errada, desde logo, porque o futebol não é um espectáculo, mas sim uma actividade desportiva. Mas, mais do que errada neste sentido, esta é uma afirmação falsa.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) acerca das actividades culturais realizadas em Portugal e da resposta que estas tiveram dos espectadores em 2006 (sendo que, depois destes dados, foram publicados novos resultados em 2007 que não reflectiram mudanças importantes, no âmbito da tauromaquia, face aos números de 2006), no ano de 2006 realizaram-se 24 717 sessões de espectáculos ao vivo, com um total de 8,8 milhões de espectadores. Destes, os espectáculos com maior número de espectadores foram os concertos de música ligeira, com 3,2 milhões de espectadores. O teatro teve 1,6 milhões de espectadores. A seguir ao teatro, os espectáculos de variedades, música clássica, dança e, por último, circo foram os que tiveram mais espectadores. E só depois surge a tauromaquia, com uma pequeníssima percentagem de 2,4% de espectadores na contagem geral de espectadores em espectáculos ao vivo. Nesse ano, 10,3 milhões de visitantes percorreram os museus do país, mais de 5,5 milhões de visitantes foram a exposições temporárias de artes plásticas e o cinema registou 16,4 milhões de espectadores. Ora, como facilmente se conclui, não só em relação aos outros espectáculos ao vivo, como também em relação a todas as outras actividades culturais, a tauromaquia registou um número extremamente pequeno de espectadores – enquanto muitas mais pessoas, felizmente, foram a espectáculos de música, teatro, dança, visitaram museus e exposições e foram ao cinema. Depois da análise destes dados do INE, facilmente concluímos que a afirmação vulgarmente avançada pelos defensores das touradas de que “a tourada é o segundo espectáculo pago com mais espectadores a seguir ao futebol” é, numa palavra, risível.
Finalmente, importa ainda analisar um outro valor mais recente. De acordo com o Relatório de Actividade Tauromáquica de 2008, publicado pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais, em 2008 os espectáculos tauromáquicos em Portugal registaram a entrada de 698.142 espectadores. Com base nestes dados, os defensores das touradas alegraram-se grandemente e passaram a dizer que, em 2008, 698.142 pessoas foram às touradas em Portugal. No entanto, isto não é verdade. Estes números referem-se sempre às entradas de espectadores em praças de touros – e, obviamente, não à entrada de pessoas diferenciadas. Ou seja, se considerarmos que a maior parte das pessoas que vai a touradas vai a várias touradas, sendo a mesma pessoa espectadora de diversas touradas, isso significa que, por exemplo, na época tauromáquica de 2008, uma mesma pessoa pode ter sido espectador 5, 10 ou 15 vezes em diversas touradas, numa mesma zona ou em diversas zonas do país, contando, neste caso, como espectador 5, 10 ou 15 vezes, mas continuando a ser apenas uma pessoa. Logo, é fundamental ser-se rigoroso e afirmar apenas que, em 2008, as touradas registaram a entrada de 698.142 espectadores e não de 698.142 pessoas (do mesmo modo que, em 2006, os museus registaram a entrada de 10,3 milhões de visitantes e não de 10,3 milhões de pessoas diferentes – ou a população portuguesa quase não teria chegado para corresponder a este número de visitantes).
A indústria tauromáquica em Portugal (assim como noutros países, diga-se) está, mais do que nunca, numa situação de crise de aceitação social e de apoio político (algo que tem cada vez menos, enfrentando cada vez mais oposição e crítica ou, pelo menos, distanciamento), o que tem também reflexos económicos. É, por isso, uma indústria que, mais do que nunca, se encontra em estado de verdadeiro desespero. E, como indústria que é, tem estado a apresentar inúmeras evidências de quão ameaçada se está a sentir, o que teve o seu pico numa primeira manifestação pró-tauromaquia em frente ao Campo Pequeno (a primeira manifestação do género alguma vez feita, que confessou, de forma explícita, quão social e politicamente pressionada está esta indústria). Esta indústria está também a tentar dar respostas aos seus críticos e a preparar contra-ataques para defender a tauromaquia. Isto tem vindo a acontecer, e sabe-se que será intensificado, mas é algo que está condenado ao insucesso, não só porque é uma indústria que desenvolve uma actividade indefensável – a de torturar animais em nome do entretenimento – mas também porque todas as linhas de resposta ou contra-ataque da indústria tauromáquica são ostensivamente inválidas, inúteis e não respondem nem resolvem o problema que se lhes coloca. Numa série de artigos, da qual o presente faz parte, a ANIMAL analisa, individualmente, e com base em factos, na razão e numa ética universal e objectiva, cada resposta / contra-ataque da indústria tauromáquica às críticas que enfrenta.
1) Tem sido frequente, e começa a ser uma insistência muito repetida, a alegação feita pelos defensores das touradas de que as pessoas que se opõem às touradas são uma minoria, enquanto as pessoas que gostam de touradas são uma maioria. O raciocínio que preside a esta alegação é o seguinte: do facto de haver poucas dezenas ou centenas de activistas contra as touradas a participar nas manifestações semanais promovidas pela ANIMAL em frente ao Campo Pequeno quando ali há tourada, enquanto alguns milhares de aficionados entram na praça para assistirem às mesmas touradas, pode-se concluir que o mesmo ocorre, em termos globais e de forma proporcional, na sociedade portuguesa: poucos opõem-se às touradas enquanto muito mais gostam delas e querem que elas continuem.
Esta ideia enferma, antes de mais, de um problema de raciocínio evidente: generaliza a partir de casos particulares não representativos do fenómeno sobre o qual a generalização é feita. Tomemos como exemplo a noite de 7 de Maio do ano corrente, em que cerca de 200 pessoas participaram na manifestação anti-touradas promovida pela ANIMAL que decorreu no Campo Pequeno, enquanto cerca de 7.000 aficionados terão entrado na Praça de Touros do Campo Pequeno para assistir à tourada que ali decorreu. Significa isto que há apenas 200 pessoas que se opõem às touradas e 7.000 pessoas a favor destas? Claro que não. Significa isto que, proporcionalmente, há muito menos pessoas que se opõem às touradas na sociedade portuguesa enquanto muitas mais são a favor delas? Também não. E porquê? Porque aquela situação particular não é de todo ilustrativa / representativa da sociedade – que é maioritariamente composta por indivíduos que nem são aficionados das touradas, nem são activistas anti-touradas. Uns gostam de touradas, outros são-lhes indiferentes e outros detestam-nas e querem que elas sejam proibidas. Só estudos científicos, que tenham por base perguntas formuladas de forma correcta, clara e não dirigida, que sejam realizados por empresas de sondagens qualificadas e insuspeitas e que sejam rigorosamente preparados por profissionais de sociologia e estatística, por exemplo, é que poderão dar respostas válidas neste sentido. E a verdade é que as poucas sondagens com cientificidade e rigor que existem sobre o assunto das touradas apresentam resultados que indicam que uma percentagem grande ou muito grande dos portugueses não gosta de touradas. Segundo uma sondagem DN/Marktest de 25 de Julho de 2002, já nesse ano havia 74,5% dos portugueses que não gostavam de qualquer tipo de touradas, com ou sem morte dos touros na arena. Cinco anos depois, uma resposta formulada em termos mais fortes pelos portugueses (no sentido em que se pronunciaram acerca da proibição das touradas e não apenas sobre se gostam delas ou não) foi apresentada no contexto de uma sondagem MetrisGfK/CIES/ISCTE, realizada entre Fevereiro e Março de 2007, segundo a qual 50,5% dos portugueses queriam, já há mais de dois anos atrás, as touradas proibidas em todo o país (enquanto apenas 39,5% discordavam de uma tal proibição), enquanto 52,4% dos portugueses queriam que não fossem autorizadas touradas nas cidades e vilas onde residem, nomeadamente através da transformação oficial destas localidades em cidades ou vilas anti-touradas (enquanto apenas 36,8% discordavam desta medida). Significa isto que os estudos preparados e realizados de forma rigorosa e científica mostram exactamente o contrário daquilo que os defensores das touradas gostariam que acontecesse – a maioria expressiva ou extremamente expressiva dos portugueses quer as touradas proibidas ou, pelo menos, não gosta de qualquer tipo de touradas.
Há ainda um outro aspecto que deve ser referido a propósito dos números de apoiantes e opositores das touradas – e que é importante para compreender as dimensões de quaisquer movimentos com visões opostas integrados em qualquer área da sociedade portuguesa. Há manifestações anti-touradas que têm apenas 50, 100 ou 200 participantes. Mas também há manifestações anti-touradas que têm 500, 1.000 ou 2.000 participantes. Num país onde é incomum as pessoas manifestarem-se nas ruas por razões éticas e estritamente altruístas – em defesa dos direitos dos animais, em defesa dos direitos humanos, em defesa da conservação da natureza ou da protecção do equilíbrio ecológico do planeta, etc. –, o número de manifestantes nunca pode ser visto como um sinal proporcionalmente representativo do número de apoiantes da causa que esse movimento que se está a manifestar tem. Por exemplo, uma manifestação de extrema-direita, se estiver bem organizada e conseguir mobilizar todos os seus apoiantes, pode conseguir ser bastante participada – mas tal não significará que a maioria dos portugueses se revê naquela visão política. E, do mesmo modo, se uma acção de protesto contra a tortura de prisioneiros políticos promovida pela Amnistia Internacional tiver apenas 20 manifestantes, daí não se seguirá – ao contrário do que implicaria a lógica dos aficionados das touradas – que só uma minoria de portugueses é que se opõe à tortura de prisioneiros políticos.
Por último, a propósito de questões éticas, de maiorias e minorias, de democracias, votações e referendos, é ainda fundamental estabelecer o seguinte ponto. Uma questão ética deve ser analisada e tratada com base em factos relevantes para a discussão, para o tratamento dos quais em tudo releva o recurso à melhor informação cientificamente obtida e validada que estiver disponível acerca desses factos e que seja relevante para a discussão, e por meio do uso de raciocínios válidos e de um genuíno interesse em chegar a conclusões verdadeiras – e não às que são apenas convenientes. Ora, se de uma tal análise de questões éticas como as touradas, a tortura de prisioneiros políticos, etc., resultar a conclusão de que são práticas eticamente condenáveis que não devem ser permitidas em circunstância alguma, isso será o bastante para levar sociedades, governos e parlamentos a pôr termo a essas práticas. É com base neste processo de análise e decisão ética que se devem tratar questões éticas e não com base em gostos subjectivos variáveis de indivíduos ou na opinião eventualmente mal-informada de maiorias ou minorias. É por isso que, se por um lado é, apesar de tudo, nas democracias que os direitos humanos e os direitos dos animais são mais respeitados e protegidos, por outro lado, o respeito pelos direitos humanos e pelos direitos dos animais nunca deve depender do que pensam as maiorias acerca destes direitos. São direitos que nunca devem ser votados nem devem ser referendados. São valores de tal maneira fundamentais, que devem estar consagrados nas constituições políticas dos estados e que, independentemente das orientações políticas de quem governe os estados e de quem eleja quem os governe, devem estar sempre juridicamente protegidos. Não o fazer será errado, injusto e extremamente perigoso. Segue-se daqui que, apesar de ser verdade que a maioria dos portugueses se opõe às touradas, não é isso que faz com que elas sejam erradas e devam ser abolidas. Pelo contrário, é porque há factos e razões morais apoiadas nesses factos que fazem com que as touradas sejam erradas e devam ser abolidas que, felizmente, a maioria dos portugueses já percebeu e concluiu que elas devem ser proibidas.
2) É também comum os defensores das touradas dizerem que “a tourada é o segundo espectáculo pago com mais espectadores a seguir ao futebol”, aqui alegando que, como tal, do suposto grande interesse do público que a tourada teria (e que não é verdadeiro, como de seguida se demonstra), resultaria a implicação de que a tourada seria imediatamente aceitável.
Esta afirmação – além de ser totalmente irrelevante para a discussão porque em nada contribui para fazer das touradas uma prática eticamente aceitável – é objectivamente errada e falsa. Errada, desde logo, porque o futebol não é um espectáculo, mas sim uma actividade desportiva. Mas, mais do que errada neste sentido, esta é uma afirmação falsa.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) acerca das actividades culturais realizadas em Portugal e da resposta que estas tiveram dos espectadores em 2006 (sendo que, depois destes dados, foram publicados novos resultados em 2007 que não reflectiram mudanças importantes, no âmbito da tauromaquia, face aos números de 2006), no ano de 2006 realizaram-se 24 717 sessões de espectáculos ao vivo, com um total de 8,8 milhões de espectadores. Destes, os espectáculos com maior número de espectadores foram os concertos de música ligeira, com 3,2 milhões de espectadores. O teatro teve 1,6 milhões de espectadores. A seguir ao teatro, os espectáculos de variedades, música clássica, dança e, por último, circo foram os que tiveram mais espectadores. E só depois surge a tauromaquia, com uma pequeníssima percentagem de 2,4% de espectadores na contagem geral de espectadores em espectáculos ao vivo. Nesse ano, 10,3 milhões de visitantes percorreram os museus do país, mais de 5,5 milhões de visitantes foram a exposições temporárias de artes plásticas e o cinema registou 16,4 milhões de espectadores. Ora, como facilmente se conclui, não só em relação aos outros espectáculos ao vivo, como também em relação a todas as outras actividades culturais, a tauromaquia registou um número extremamente pequeno de espectadores – enquanto muitas mais pessoas, felizmente, foram a espectáculos de música, teatro, dança, visitaram museus e exposições e foram ao cinema. Depois da análise destes dados do INE, facilmente concluímos que a afirmação vulgarmente avançada pelos defensores das touradas de que “a tourada é o segundo espectáculo pago com mais espectadores a seguir ao futebol” é, numa palavra, risível.
Finalmente, importa ainda analisar um outro valor mais recente. De acordo com o Relatório de Actividade Tauromáquica de 2008, publicado pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais, em 2008 os espectáculos tauromáquicos em Portugal registaram a entrada de 698.142 espectadores. Com base nestes dados, os defensores das touradas alegraram-se grandemente e passaram a dizer que, em 2008, 698.142 pessoas foram às touradas em Portugal. No entanto, isto não é verdade. Estes números referem-se sempre às entradas de espectadores em praças de touros – e, obviamente, não à entrada de pessoas diferenciadas. Ou seja, se considerarmos que a maior parte das pessoas que vai a touradas vai a várias touradas, sendo a mesma pessoa espectadora de diversas touradas, isso significa que, por exemplo, na época tauromáquica de 2008, uma mesma pessoa pode ter sido espectador 5, 10 ou 15 vezes em diversas touradas, numa mesma zona ou em diversas zonas do país, contando, neste caso, como espectador 5, 10 ou 15 vezes, mas continuando a ser apenas uma pessoa. Logo, é fundamental ser-se rigoroso e afirmar apenas que, em 2008, as touradas registaram a entrada de 698.142 espectadores e não de 698.142 pessoas (do mesmo modo que, em 2006, os museus registaram a entrada de 10,3 milhões de visitantes e não de 10,3 milhões de pessoas diferentes – ou a população portuguesa quase não teria chegado para corresponder a este número de visitantes).