(In “Expresso”, 30 de Abril de 2009)
Os Açores estão a um passo de legalizar a realização de "sorte de varas" ou "corridas picadas", como são conhecidas no arquipélago. Vinte e sete deputados entregaram na passada sexta-feira, na Assembleia Legislativa Regional, um projecto que deverá subir a plenário no próximo dia 12 de Maio.
PS e PSD vão dar liberdade de voto aos seus deputados. CDS e PPM aprovam à partida. Os dois deputados do BE e o deputado do PCP votam contra. A aprovação da lei regional é dada como certa, o que representará a primeira iniciativa política de diferenciação e oposição relativas às leis gerais da República, ao abrigo dos novos poderes da autonomia açoriana resultantes da revisão constitucional de 2004 e da revisão do Estatuto Político, que Cavaco Silva tentou travar em vão.
O clima de desafio às leis gerais da República sobre a referida questão marcou desde sempre esta pretensão. Recorde-se que a "sorte de varas" (em que o touro é picado e em que o cavalo corre grande risco) já foi aprovada no Parlamento açoriano em 2002. Mas o diploma acabou por ser vetado pelo ministro da República de então, Sampaio da Nóvoa, e enviado para o Tribunal Constitucional, que o rejeitou.
Agora, após a revisão constitucional de 2004 e com o novo Estatuto Político de 2009, as circunstâncias mudaram bastante. O ministro da República foi substituído por um representante da República despojado de capacidade de intervenção política, nomeadamente na apreciação do extinto "interesse específico" regional, que foi fundamental para o anterior veto. O representante da República mantém direito de veto e capacidade de pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis (as duas formas de travar a nova lei). Mas a margem de argumentação jurídica é agora muito mais curta. E este processo legislativo não passa pelo Palácio de Belém.
Os próximos actos eleitorais são os primeiros que acontecem nos Açores no novo quadro de poderes da Região Autónoma. A ilha Terceira, que centraliza quase em exclusivo a afición açoriana, é o segundo círculo eleitoral mais importante do arquipélago. Socialistas, sociais-democratas, centristas e o deputado do PPM acordaram que a iniciativa política deveria partir de "um grupo de deputados". Paulo Estêvão, o deputado do PPM eleito pela ilha do Corvo, disse ao Expresso que "abdicou da apresentação individual em nome da despartidarização" a pedido da Tertúlia Tauromáquica Terceirense.
José Bolieiro, vice-presidente do grupo parlamentar do maior partido da oposição, o PSD, e subscritor da proposta, explicou que o consenso com os socialistas, no poder, assenta no princípio de que se está perante matéria "de consciência e de cultura cívica", isto é, "não-partidária".Os socialistas, maioritários no círculo eleitoral da Terceira e detentores do poder nas duas autarquias da ilha, lideram, em número, o "grupo" que propõe a nova lei que inclui o próprio presidente do Parlamento, Francisco Coelho. Estão todos de acordo em que as "corridas picadas" melhoram a "qualidade artística" das touradas na ilha Terceira, atraindo e satisfazendo as exigências das grandes figuras do toureio mundial. O BE, com dois assentos, e o deputado do PCP são a oposição assumida à legalização das "corridas picadas", que consideram "um retrocesso civilizacional marcante".
A associação ambientalista 'Amigos dos Açores' decidiu dirigir o seu protesto também à UNESCO, apontando a "incongruência que poderá ser a manutenção da classificação de Património Mundial da UNESCO a uma cidade que promoverá a tortura animal enquanto espectáculo de entretenimento".
Animal censura políticos açorianos
A "sorte de varas" é proibida em Portugal e "é extremamente violenta para os touros. Estes sofrem lesões neurológicas gravíssimas com esta técnica, que é mais um episódio de tortura", lembra Miguel Moutinho, presidente da Animal. Esta associação assume uma posição "de censura absoluta" contra a decisão iminente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. "Estamos a falar de indivíduos que têm um gosto mórbido e que por fatalidade ocupam cargos governativos", critica Moutinho. Em Portugal há outras localidades a praticar ilegalmente a "sorte de varas", mas só Barrancos obteve luz-verde para touros de morte. Braga, Cascais, Sintra e Viana do Castelo não autorizam touradas.
Os Açores estão a um passo de legalizar a realização de "sorte de varas" ou "corridas picadas", como são conhecidas no arquipélago. Vinte e sete deputados entregaram na passada sexta-feira, na Assembleia Legislativa Regional, um projecto que deverá subir a plenário no próximo dia 12 de Maio.
PS e PSD vão dar liberdade de voto aos seus deputados. CDS e PPM aprovam à partida. Os dois deputados do BE e o deputado do PCP votam contra. A aprovação da lei regional é dada como certa, o que representará a primeira iniciativa política de diferenciação e oposição relativas às leis gerais da República, ao abrigo dos novos poderes da autonomia açoriana resultantes da revisão constitucional de 2004 e da revisão do Estatuto Político, que Cavaco Silva tentou travar em vão.
O clima de desafio às leis gerais da República sobre a referida questão marcou desde sempre esta pretensão. Recorde-se que a "sorte de varas" (em que o touro é picado e em que o cavalo corre grande risco) já foi aprovada no Parlamento açoriano em 2002. Mas o diploma acabou por ser vetado pelo ministro da República de então, Sampaio da Nóvoa, e enviado para o Tribunal Constitucional, que o rejeitou.
Agora, após a revisão constitucional de 2004 e com o novo Estatuto Político de 2009, as circunstâncias mudaram bastante. O ministro da República foi substituído por um representante da República despojado de capacidade de intervenção política, nomeadamente na apreciação do extinto "interesse específico" regional, que foi fundamental para o anterior veto. O representante da República mantém direito de veto e capacidade de pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis (as duas formas de travar a nova lei). Mas a margem de argumentação jurídica é agora muito mais curta. E este processo legislativo não passa pelo Palácio de Belém.
Os próximos actos eleitorais são os primeiros que acontecem nos Açores no novo quadro de poderes da Região Autónoma. A ilha Terceira, que centraliza quase em exclusivo a afición açoriana, é o segundo círculo eleitoral mais importante do arquipélago. Socialistas, sociais-democratas, centristas e o deputado do PPM acordaram que a iniciativa política deveria partir de "um grupo de deputados". Paulo Estêvão, o deputado do PPM eleito pela ilha do Corvo, disse ao Expresso que "abdicou da apresentação individual em nome da despartidarização" a pedido da Tertúlia Tauromáquica Terceirense.
José Bolieiro, vice-presidente do grupo parlamentar do maior partido da oposição, o PSD, e subscritor da proposta, explicou que o consenso com os socialistas, no poder, assenta no princípio de que se está perante matéria "de consciência e de cultura cívica", isto é, "não-partidária".Os socialistas, maioritários no círculo eleitoral da Terceira e detentores do poder nas duas autarquias da ilha, lideram, em número, o "grupo" que propõe a nova lei que inclui o próprio presidente do Parlamento, Francisco Coelho. Estão todos de acordo em que as "corridas picadas" melhoram a "qualidade artística" das touradas na ilha Terceira, atraindo e satisfazendo as exigências das grandes figuras do toureio mundial. O BE, com dois assentos, e o deputado do PCP são a oposição assumida à legalização das "corridas picadas", que consideram "um retrocesso civilizacional marcante".
A associação ambientalista 'Amigos dos Açores' decidiu dirigir o seu protesto também à UNESCO, apontando a "incongruência que poderá ser a manutenção da classificação de Património Mundial da UNESCO a uma cidade que promoverá a tortura animal enquanto espectáculo de entretenimento".
Animal censura políticos açorianos
A "sorte de varas" é proibida em Portugal e "é extremamente violenta para os touros. Estes sofrem lesões neurológicas gravíssimas com esta técnica, que é mais um episódio de tortura", lembra Miguel Moutinho, presidente da Animal. Esta associação assume uma posição "de censura absoluta" contra a decisão iminente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. "Estamos a falar de indivíduos que têm um gosto mórbido e que por fatalidade ocupam cargos governativos", critica Moutinho. Em Portugal há outras localidades a praticar ilegalmente a "sorte de varas", mas só Barrancos obteve luz-verde para touros de morte. Braga, Cascais, Sintra e Viana do Castelo não autorizam touradas.