quinta-feira, 7 de maio de 2009

Petição força Parlamento a discutir proibição dos animais nos circos

PCP e Verdes avançam com projectos-lei e BE opta por recomendação

(Por Natália Faria. In “Público”, 7 de Maio de 2009)

A Assembleia da República (AR) discute hoje a proibição do uso de animais nos circos. Enquanto no exterior, defensores dos animais e alguns artistas circenses unidos pela associação Acção Animal vão manifestar-se, ao início da tarde, "por um circo sem crueldade", no hemiciclo os deputados votam um projecto-lei do PCP e outro dos Verdes e ainda um projecto de resolução do BE que, de formas e com timings diferentes, visam impedir a presença dos animais nos espectáculos circenses.

Nas contas das associações de defesa dos animais, há em Portugal 25 circos que recorrem a animais. "No total haverá cerca de 450 animais, metade espécies selvagens e metade domésticas", contabiliza Miguel Coutinho, da Animal, a associação que, em 2005, divulgou um vídeo gravado clandestinamente nalguns circos portugueses e que revelava imagens de maus tratos. Mostrando desde elefantes a serem picados por aguilhões a póneis a serem chicoteados, passando por macacos a baterem com a cabeça nas grades das jaulas, o que o vídeo evidenciou, segundo Coutinho, foi a incapacidade de actuação das autoridades responsáveis por assegurar o bem-estar dos animais (ver texto nesta página).

O que o PCP propõe é o fim gradual dos animais nos circos. À excepção dos símios, que têm de ser entregues num prazo máximo de seis meses, a proposta comunista prevê a entrega voluntária e gradual dos animais, mediante o pagamento de uma indemnização aos seus proprietários. "São famílias inteiras que vivem do circo e que, se a lei muda, têm direito a ser ressarcidas. Não podemos agora tratar estas pessoas como criminosas", sustentou o deputado Miguel Tiago. Para garantir que, a prazo e de forma gradual, os circos deixarão de utilizar animais, o PCP propõe-se proibir a comercialização e a reprodução dos mesmos, a par da esterilização daqueles que se mantiverem durante mais tempo na posse dos circos. Para estes, o projecto prevê ainda a criação de um cadastro nacional, numa lógica de "efectiva responsabilização do Estado".

O BE optou por um caminho diferente. Desde logo, porque preferiu apresentar uma proposta de recomendação ao Governo, ao invés de um projecto-lei, porque a alteração da legislação no campo dos direitos dos animais obrigaria, segundo Alda Macedo, a "ir mais a montante e alterar o próprio Código Civil de maneira a acabar com a inclusão dos animais no campo dos objectos alvo de propriedade".

Outra das diferenças é que a proposta bloquista proíbe apenas a utilização das espécies selvagens, porque "é nestes que a brutalidade se faz sentir com mais força" e também porque se impunha "apresentar uma proposta que fosse geradora de consensos". O Bloco propõe um prazo de três anos para que os animais sejam reconduzidos para locais adequados, ficando o Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade responsável por garantir o bem-estar das espécies.

O partido Os Verdes, por seu turno, propõe a proibição imediata das espécies selvagens, estabelecendo para as domésticas um período de transição de cinco anos. O projecto sugere ainda que a Direcção-Geral de Veterinária efectue uma inspecção a todos os circos um mês após a entrada em vigor da lei e inspecções periódicas "no mínimo de três em três anos", reconhecendo o direito dos proprietários dos animais a serem ressarcidos. Ao mesmo tempo, os Verdes definem contra-ordenações que oscilam entre os 500 e os 10 mil euros.

Politiquice

Para Miguel Chen, director do circo com o mesmo nome, a discussão sobre a proibição dos animais nos circos é mera "politiquice", até porque "o país não dispõe de sítios onde os colocar". Negando as acusações de maus tratos, Chen diz-se disposto a ceder os seus animais, "se o Estado aceitar subsidiar os circos". O certo é que alguns municípios, como Sintra e Cascais, já fecharam as portas a circos que usem animais. Lá fora, países como a Grécia, França, Canadá e Austrália, entre outros, há muito que adoptaram leis que proíbem circos com animais.

Fiscalização não funciona, segundo activistas

As competências de fiscalização sobre a legalidade e o bem-estar dos animais nos circos repartem-se entre a GNR, Instituto de Conservação da Natureza e Direcção-Geral de Veterinária (DGV), através dos veterinários municipais. Tal dispersão faz com que na prática "nada funcione", segundo Miguel Moutinho, da Animal, que diz não ter notícia "de qualquer sanção ou coima que tenha sido levantada aos circos por maus tratos aos animais". "Ao contrário", acrescenta o activista, "as provas de violência contra os animais que foram entregues na DGV não produziram consequências nenhumas."

Ao PÚBLICO a subdirectora da DGV, Julieta Carvalho, justifica a ausência de coimas com o facto de a fiscalização "ser do tipo preventivo mais do que repressivo". E, apesar de considerar que "a fiscalização tem funcionado" (sobretudo desde que, em 2004, a DGV decidiu condicionar a autorização de um circo para actuar num dado município ao parecer prévio do respectivo veterinário municipal), Julieta Carvalho reconhece que os procedimentos adoptados "não têm consagração legal". Daí que, segundo a mesma responsável, o PS se prepare para apresentar na AR uma proposta de regulamentação sobre a matéria que no fundo virá "dar corpo de lei àquilo que já é feito no terreno".

Para reforçar a tese de que as autoridades não actuam com eficácia, as associações defensoras dos animais lembram episódios como os dois tigres de circo que escaparam da carruagem de transporte à entrada de Azambuja, em Janeiro de 2008. E ainda o abandono, em 2005, de três tigres e dois leões, num vagão ao pé de uma urbanização em Palmela.

"Isso são histórias passadas", reage Miguel Chen, garantindo que os circos estão sujeitos a regras apertadas. "Todos os meus animais têm chips e passaportes. Aliás, antes de actuarmos vem um veterinário municipal verificar as condições em que estão os animais. Será que todos os veterinários são estúpidos?", indigna-se.

Na GNR, as responsabilidades recaem sobre o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente, mas não conseguimos obter em tempo útil uma resposta às perguntas sobre as acções de fiscalização executadas.