segunda-feira, 22 de junho de 2009

Caçar ou não caçar baleias

Reunião internacional começa hoje na Madeira

(In “Público.pt”, 22 de Junho de 2009)

Um tiro de arpão. Um granada que explode. Uma baleia que é morta. Por que é que este acto - que, na forma, não é muito diferente de abater um javali num domingo de caça - divide tanto os países? Aproximar as posições pró e contra a caça comercial à baleia tem sido uma tarefa quase impossível. A cisão mantém-se, de tal forma que a reunião anual da Comissão Baleeira Internacional - que inicia hoje, no Funchal, a sua parte "política" - dificilmente chegará a uma solução para a crise em que a instituição está mergulhada há anos.

Num aspecto estão todos de acordo: a corrida descontrolada às baleias, no passado, foi desastrosa. Iniciou-se de forma artesanal, com embarcações a remos e arpões manuais - o que fazia da baleia-franca, a mais fácil de apanhar, a vítima principal. Barcos mais rápidos, armas modernas e navios-fábrica elevaram a exploração a níveis extremos.

Quando, em 1931, se tentou adoptar um tratado internacional para a caça à baleia, já se abatiam cerca de 40 mil animais por ano - sobretudo por frotas da Noruega, Reino Unido e países da Commonwealth, como Austrália e África do Sul.

Um acordo foi finalmente aprovado em 1946 - a Convenção para a Regulação da Caça à Baleia. Dele nasceu a Comissão Baleeira Internacional (CBI), com o objectivo de zelar pela preservação dos stocks, de modo a manter a actividade da caça. Mas, salvo um declínio temporário durante a II Guerra Mundial, os números continuaram a subir. Em 1962, atingiu-se o recorde de 66 mil baleias mortas - a maior parte, agora, pelo Japão, Rússia e Noruega.

Estes três países estão entre os que mais criticam o facto de a CBI alegadamente se ter afastado da sua missão original, dedicando-se agora simplesmente a proteger as baleias.

A comissão não tem poupado em medidas de conservação - de quotas de caça à criação de santuários. Em 1982, adoptou uma moratória à caça comercial, ainda em vigor.

Poucos duvidam de que estas medidas evitaram o desaparecimento de algumas espécies. "A baleia-azul chegou quase à extinção", afirma a especialista em cetáceos Marina Sequeira, do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade.

Argumentos éticos

Ainda há dez anos, data da última estimativa da CBI, não havia mais do que 2300 baleias-azuis em todo o Hemisfério Sul. Da baleia-franca no Atlântico Norte há apenas três centenas de indivíduos.

Os países pró-caça defendem que, apesar de haver espécies em perigo, há outras mais abundantes. O próprio comité científico da CBI o reconhece. "Actualmente, já se admite que algumas populações suportam alguma caça", afirma Marina Sequeira.

As baleias-anãs contam-se às centenas de milhares. O último cálculo da CBI, de 1989, apontava para 760 mil no Hemisfério Sul. É sobretudo lá, nos mares da Antárctida, que o Japão caça algumas centenas por ano, para um programa científico contestado por ambientalistas. No ano passado, foram mortas 759, ou seja, apenas 0,1 por cento do stock conhecido.

A carne das baleias mortas para fins científicos acaba nos talhos e supermercados. Mas o Japão tem argumentado que a própria convenção da caça à baleia obriga a que o animal, quando é necessário matá-lo, seja aproveitado ao máximo.

O que o Japão pretende há anos, porém, é voltar a caçar baleias comercialmente - algo que a Noruega já faz, porque nunca subscreveu a moratória. Para isso seria necessário que a CBI conseguisse pôr em prática os mecanismos que propôs para gerir os stocks e para controlar a caça. Ambos não saíram ainda do papel, por falta de consenso.

"As nações baleeiras não aceitam uma supervisão independente", afirma o biólogo Manuel Eduardo dos Santos, do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. E mesmo que aceitassem, diz, isso não seria suficiente: "Pode-se ver pela história que não existem mecanismos de regulação eficazes."

O debate estende-se aos argumentos éticos. Especula-se que, por terem um sistema nervoso mais complexo, as baleias possam estar sujeitas a maior sofrimento. Além disso, os cetáceos têm estruturas sociais igualmente mais elaboradas. "Uma baleia morta pode fazer falta às que ficam", afirma Leonor Galhardo, bióloga especializada em bem-estar animal.

Sabe-se, no entanto, ainda muito pouco sobre o comportamento das baleias, um animal difícil de observar. "As nossas suspeitas de uma cognição elaborada [das baleias] obriga-nos filosoficamente a ser prudentes", opina, porém, Manuel Eduardo dos Santos.

Com a evolução técnica, uma baleia hoje pode ser morta quase instantaneamente. Um estudo do princípio dos anos 90 - citado pela High North Alliance, que representa os interesses baleeiros na Noruega - indicava, em contrapartida, que apenas 18 por cento dos alces caçados no país morriam logo depois de alvejados.

Mas a tese da morte imediata é contestada por muitos. A Whale and Dolphin Conservation Society, uma organização com sede em Londres, sustenta que as nações baleeiras não divulgam dados detalhados que permitam corroborar a inocuidade do modo de abate dos cetáceos. Já Manuel Eduardo dos Santos é definitivo: "Não há método garantidamente humano."