sábado, 8 de agosto de 2009

Nova disciplina: Vem aí a arqueologia de primatas

(Por Filomena Naves. In “Diário de Notícias”, 8 de Agosto de 2009)

Um grupo internacional de 18 investigadores em primatologia e arqueologia, entre os quais se encontra a portuguesa Susana Carvalho, propôs na revista 'Nature' a criação de uma nova área de estudos científicos: a arqueologia de primatas. A ideia é olhar para o passado da evolução humana através de uma janela diferente e cheia de potencialidades

Em Bossou, numa zona de floresta da Guiné-Conacri, Susana Carvalho, que é arqueóloga e está a fazer o doutoramento em evolução humana, passou uma parte deste ano a fazer "experiências" com chimpanzés. Levou de Portugal 20 quilos de pedras de sílex, foi buscar outros 20 quilos de basaltos à zona do lago Turkana, no Quénia, e foi-lhes fornecendo as pedras, para tentar perceber como eles se relacionam com os dois materiais.

Na prática, a investigadora portuguesa está a fazer no terreno estudos do que ela e um grupo internacional de outros 17 cientistas propõem como nova disciplina: a arqueologia de primatas. Um campo a meio caminho entre a primatologia e a arqueologia, cujo grande objectivo é olhar para o passado através de uma nova janela e tentar encontrar algures, num ponto da evolução dos primatas, a origem da cultura dos artefactos e das ferramentas, e traçar os caminhos através dos quais ela se desenvolveu.

Foi a criação desse novo espaço de investigação científica, com metodologias da arqueologia e da primatologia, que o grupo dos 18 cientistas das duas disciplinas propôs em Julho, em artigo na Nature.

"Lançámos com isso as fundações para a criação da nova disciplina da arqueologia de primatas", afirmou ao DN a investigadora portuguesa. "Estamos a assistir a uma viragem científica", sublinhou. Aliás, algumas reacções adversas à proposta "em alguns blogues portugueses de arqueologia" são para a investigadora a demonstração de que esse caminho é inovador.

A origem das ferramentas para dominar o ambiente deve ter acontecido dentro da ordem dos primatas em diversas espécies, pensam actualmente os cientistas. Essa é a dedução lógica de diferentes obser- vações nos últimos anos, da utilização de ferramentas por partes de vários primatas não humanos, como macacos e chimpanzés. Neste último caso, a própria Susana Carvalho, juntamente com outras duas investigadoras portuguesas, fez uma observação nova, em Bossou, em 2008 (ver texto ao lado).

Juntando todos os sinais, este grupo internacional, que discutiu a questão em Outubro do ano passado, em Cambridge, no Reino Unido, na conferência "A Primatologia encontra a Paleoantropologia", decidiu avançar a proposta.

Observando hoje os primatas não humanos, podemos tentar encontrar modelos para compreender como a utilização de artefactos poderá ter-se iniciado entre os primatas", explica Susana Carvalho.

Os vestígios conhecidos mais antigos de ferramentas de hominídeos datam de há 2,6 milhões de anos.