Leia abaixo a entrevista a Victor Hugo Cardinali hoje publicada no “i”, da qual se destaca, entre outras afirmações esclarecedoras, a seguinte: à pergunta “E batem nos animais?”, Victor Hugo Cardinali responde, sem hesitações: “Se for preciso dá-se um toque. Quem é que nunca deu uma galheta no seu filho? Eu não sou contra que um cavalo leve uma vergastada, desde que esteja bem alimentado, desparasitado, limpo.”
Já em Dezembro de 2005, numa entrevista ao Rádio Clube Português, confrontado com provas recolhidas e apresentadas publicamente pela ANIMAL de exercício de violência física contra os seus elefantes num dos seus espectáculos de circo, Victor Hugo Cardinali respondeu: “Eu bati no elefante porque ele não queria fazer o exercício, e isso não nego. Nós não podemos deixar que um animal faça aquilo que quer, ou então não há respeito e o domador não está ali a fazer nada".
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"Os meus animais vivem melhor que dois milhões de pobres do país"
Proprietário de um dos circos mais famosos em Portugal em guerra contra a nova lei que anuncia o fim dos espectáculos com animais
(In “Ionline.pt”, 17 de Outubro de 2009)
Elvas torra debaixo do sol de Outono. A tenda do circo vai recortando o céu, vazia por dentro. Um tecto carregado de estrelas desenhadas numa lona nova, camiões, pó. Os cartazes de sempre anunciam palhaços e um leão branco - o leão branco! - espalhados vila a dentro como sinais de pista. É hora de almoço. Ouvem-se tigres e elefantes. Os tigres estão nas jaulas, os elefantes estão soltos, sem vedação. Uma fita traça o limite do recreio dos grandes mamíferos. Tocam-nos com a tromba e engolem maçãs apanhadas numa quinta em Pegões. O circo monta-se no tempo que houver, diz Victor Hugo Cardinali. Desta vez não há pressa. Vêm de Portalegre. Os dois meses de Verão não tiveram mais calor que os últimos dias. O tempo vai sendo palmilhado na direcção do Natal, um dos principais lugares do espectáculo no calendário - e no coração. Aos 53 anos, Cardinali manda. O circo é dele. A história é dele. "Samba nein". Os elefantes só percebem as ordens em alemão. "Come on Sonho, good boy". Sonho, o felino de 250 quilos, segue o inglês e rebola-se das mãos do dono. Distrai-se e até dá para fazer festas. Com medo, claro. Não há música de circo, não há roupas garridas, apenas um homem a brincar com um leão no interior de uma jaula.
O fim dos animais selvagens no circo pode acabar com o espectáculo?
Portugal é um país que gosta de circo por natureza. Temos muito público em qualquer cidade. Mas sim, conquistamos pelos as pessoas com os animais - em Portugal, só eu é que tenho elefantes, tigres brancos, leões, camelos. Sem animais há menos interesse. No Natal tenho um circo em Algés e outro no Parque das Nações, o primeiro não tem animais. Para o outro já tenho sessões esgotadas com dois meses de antecedência.
Há quanto tempo trabalha com animais?
O negócio veio do meu pai, mas não tinha leões nem elefantes. Agora não posso precisar, mas começámos há cerca de 70 anos. Não tinham leões e elefantes porque era muito difícil trazê-los para Portugal. Nós só conseguimos comprar os elefantes quando deram a independência à Namíbia. Conheci um alemão que tinha uma reserva e conseguiu trazer 14 elefantes, nós ficámos com oito.
Quanto custaram?
Na altura, em 1988, cada um custou 1250 contos (6250 euros).
Que crítica faz a esta nova portaria?
Vivemos num país de touradas. Acho que estamos a ser discriminados porque somos o elo mais fraco. Depois, também há muita portaria que sai e não é aplicada. Vai-se a Jardim Zoológico de Lisboa ou ao Zoo Marine e vêem-se lá golfinhos, focas. Qual é a diferença entre eu ter um elefante e o Zoo Marine ter um golfinho ou uma foca? Estão todos em cativeiro... os golfinhos também deviam andar no mar. Os passarinhos também deviam andar soltos e estão em gaiolas. Já perguntei a um biólogo do Instituto de Conservação da Natureza e disseram-me que era a mesma coisa.
É um preconceito?
É um preconceito, mas não acho que seja só contra o circo. As associações de defesa dos direitos dos animais são contra as touradas, contra os animais domésticos. Os animais têm de ser tratados como animais: com dignidade, bem tratados, mas como animais. Deviam preocupar-se com os 25 mil idosos que este país tem em lares, com as 10 mil crianças em instituições sem que ninguém as adopte e com dois milhões de pobres no nosso pais. Os animais que eu tenho vivem melhor do que os dois milhões de pobres deste país. Têm comida a horas, são lavados e desinfectados.
Quanto custa mantê-los?
Por mês gasto 50 mil euros com alimentação. Os frangos vêm sempre de um aviário no Cadaval, que vai levar a carne onde estamos. Desde que proibiram a carne de vaca rejeitada, os animais comem a mesma que nós. Um leão come cinco frangos por dia. O feno vem de Braga - vão ao Algarve, a Trás-os-Montes, a Lisboa. Vou buscar sempre a ração à Malveira, para os animais não terem cólicas. Chego a fazer 500 quilómetros para ir buscar serradura de pinho. Tenho um camião só para o feno, um camião só para a ração, um camião frigorifico.
Mas essa não é a realidade de todos os circos...
Claro, mas não foi por isso que escreveram a nova lei. Nesse caso acabavam com os circos que não tinham condições para ter animais.
Quando custa agora um leão?
O branco custou 50 mil euros...tenho quatro e é suposto viver 20 anos ou 25 anos.
Têm veterinários?
Connosco não. Temos um veterinário no Norte e outro no Algarve, depois também recorremos aos veterinário das câmaras. Há 10 anos morreu-me um elefante em Aveiro. Corri os veterinários todos a ver se alguém podia ajudar - ninguém sabia o que fazer. Não têm formação para tratar dos animais selvagens.
Há inspecções regulares aos circos?
Quando o circo chega, requere-se uma vistoria. Vem uma equipa da câmara que vê o material, os extintores. Vem também o veterinário camarário para ver o que é que os animais comem, o que bebem, qual é o estado das boxes.
É igual em todas as cidades?
É. Há uma ou outra onde não aparece ninguém.
Porquê?
Sei lá, não vêm porque não lhes apetece. Têm outras obras em mãos, já sabem qual é o "ram ram" do circo.
Há falta de autoridade na fiscalização?
Há. Mas o circo vai sobreviver a esta situação. A partir de agora temo de nos unir.
A Animal fala de lobby dos circos. Como reage?
A Animal está bem inserida. Porque é chamam a Animal e não outras associações? Podiam ter-nos chamado. Nós sabemos o que acontece no mundo e nenhum país da Europa Ocidental foi com isto para a frente. Houve a Áustria, mas a Comissão Europeia deu-nos razão.
Ao reagir em bloco não se está a criar uma imagem única?
Nunca quis funcionar em bloco, não sou hipócrita. Estou no circo, tenho animais e sei que tenho de ter condições. Perante uma lei, tenho de juntar-me a outros para combatê-la. Esta semana falámos dois ou três. Antigamente víamos circos por aí, caravanas pequenas. Se uma pessoa não ganha dinheiro não pode ter condições e isso tem a ver com o sucesso individual. Eu nunca pactuei com os que não cumprem e sempre disse que não somos todos farinha do mesmo saco.
Tem amigos no circo?
Tenho os meus filhos. Não me dou com as pessoas do circo, tive mais sucesso e eles não gostam de mim. Como tenho mais dinheiro do que eles, pensam que vivo de droga e notas falsas. Há uma rivalidade que tem a ver com inveja. Mas em termos de qualidade, não sou eu que tenho de falar disso. Se a opção de um circo é não ter qualidade, é preciso fiscalização. Não há ninguém que diga "veja lá que isto está tudo enferrujado."
Mas as acusações de violação dos direitos do animais também lsão dirigidas ao Circo Victor Hugo Cardinali...
Lembro-me de uma cena com o circo da Soledad Cardinali. Estava alguém com os cavalos e viram uma chicotada. Também disseram coisas de nós. Eu também levei quando era puto, mas nem é esse o caso. São radicais, para não dizer pior. Houve uma seca aqui há uns anos em que estavam vacas e ovelhas a morrer no Alentejo e não se viu lá nenhum homem dos direitos dos animais. Noutro dia, o Circo Chen deixou fugir dois trigres, foi um acidente, mas na mesma hora apareceram as televisões e os activistas. Depois, nunca nenhum desses senhores pediu para visitar a minha casa e conhecer as minhas instalações. Eles defendem o quê para viverem de peditórios? O principal argumento é que o circo é um negócio e que os animais selvagens não devem ser usados. Mas estes animais nasceram em cativeiro.
O que acha destas associações?
Esses movimentos dos animais já andam há anos lá fora. Isso da Animal vem tudo dos ingleses - uma vez foram a uma quinta que criava porquinhos da índia e fizeram 40 atentados contra aquela família, o último foi ir profanar uma campa da sogra da família. Levaram o corpo. Não é normal...
É uma questão de liberdade?
É suposto os animais estarem na selva? Também é suposto um homem casar com uma mulher, há séculos e séculos. E não estamos a mudar isso? Eu não tenho nada contra, porque é que hão-de ter contra mim?
O argumento de que o circo deve mudar porque a sociedade também mudou diz-lhe alguma coisa?
Falam-me de evolução, mas a única evolução que eu vejo é os homens poderem casar uns com os outros. Os pobres no Alentejo continuam os mesmos, os ricos estão cada vez mais ricos. Agora temos de desistir dos nossos animais quando não faz qualquer sentido pensar em mudança - em Portugal há corridas de touros, montam-se os cavalos, há jardins zoológicos. No circo não há sangue. Eu não sou contra a tourada, espeta-se uma farpa no animal mas depois há uma série de outras coisas a favor - a plástica, a arte, a valentia, o gosto das pessoas que vão ver, a música, a arte de quem toureia. Há quem não goste. Mas há quem goste. Também há quem não coma carne e peixe. São a minoria. Os homens casarem uns com os outros, para mim é a maior evolução.
É uma incoerência?
É uma incoerência das grandes. É uma hipocrisia. Isto é uma selva. Eu entendo que há gente que não gosta de circo, eu não gosto de ópera. Aborrece-me.
Uma das queixas é que os animais passam os dias enfiados na jaula sem actuar...
É mentira e sei que sou suspeito a dizer que é mentira. Mas os homens dos direitos dos animais nunca vieram a minha casa pedir-me para ver as condições.
Como é o dia de um leão?
Está na jaula, é a casa dele. De manhã é limpa a jaula, dá-se água e de comer. E depois ou estão na serradura [no exterior] ou na cama. Têm uma jaula montada na rua onde estão durante o dia.
Como é que são treinados?
Nós não conseguimos ensinar ninguém com maus tratos. Para ensinar um trigre ou um cavalo tem de ser a bem. Um cavalo é com açúcar, maçãs, cenouras. Um leão é com carne - temos uma cana e metemos carne na ponta. Se quero que ele venha para cima da cadeira, mostro-lhe a carne. Sobe uma vez, dou-lhe muita carne e depois vou-me embora. Nos tamboretes a mesma coisa, quero que ele salte o arco vou afastando gradualmente. Espero que ele se habitue ao objecto estranho.
E batem nos animais?
Se for preciso dá-se um toque. Quem é que nunca deu uma galheta no seu filho? Eu não sou contra que um cavalo leve uma vergastada, desde que esteja bem alimentado, desparasitado, limpo.
Quem é que mexe nos animais?
Sou só eu e o meu filho. Temos outras pessoas que tratam da limpeza, mas nós é que lidamos com eles.
Mas passa essa cultura para as pessoas que trabalham consigo?
Um animal castigado é sempre revoltado, perigoso. Os animais são como as pessoas. Isto também é uma questão de gosto por aquilo que fazemos. Ninguém vira as costas ao leão, é sempre um animal feroz.
Há perigo para o público?
Eu não deixo o público chegar perto dos animais. Antigamente espicaçavam-nos - os miúdos queriam ver o leão ou o tigre a dormir e mandavam pedras para eles se levantarem e isso era perigoso.
De onde vem a imagem de maus-tratos no circo?
É tão antigo... Não nasceu em Portugal. Nasceu pela Europa fora; cada cabeça sua sentença. Eu não sou racista, há pessoas que têm pavor aos ciganos, a mim não me faz confusão desde que não se metam comigo.
Vive-se um bom ambiente?
Há sempre a concorrência... Porque é que o Futebol Clube do Porto tem sempre problemas com toda a gente? Porque é o que ganha mais vezes - porque ganham, dizem que compram os árbitros. Ser o melhor é difícil.
O futuro dos circos não pode ser um formato do género Circo du Soleil?
Portugal não é país para o Circo do Soleil.
Porquê?
A cultura do povo português não passa por aí. Em Lisboa, percebe-se o Circo do Soleil. Mas o país real quer o circo tradicional. Sem animais ninguém vai ao circo. O que leva as pessoas ao circo é o tigre branco, o leão branco. Um cavalo qualquer pessoa pode ter.
Que espectáculo recorda mais?
Foi o circo russo do gelo - havia duas pistas e vários ursos patinavam e jogavam hóquei no gelo. Na Rússia os ursos são tratados como cães. Agora, se eu quiser contratar estes espectáculos, posso? Porque é que um artista francês ou alemão não poderá vir a Portugal?
Em poucos meses saíram três portarias que afectam o trabalho nos circos. A lei está a ser precipitada?
Há uma coisa que não percebo. No princípio de Maio entrei pela primeira vez no Parlamento. Fez-se uma petição para acabar com os animais do circo. Estive lá e vi que o governo PS e PSD votaram a favor dos circos, portanto a maioria. Bloco de Esquerda, PCP e Verdes votaram contra. Passados quatro ou cinco meses aparece esta portaria...
Vai procurar respostas?
A Associação Europeia de Circos vai apoiar-nos e já estamos em conversações para recorrer. Na Europa há o exemplo da Áustria, em que se considerou que os circos tinham razão. Então agora deixo de poder trazer um espectáculo de um artista espanhol, francês ou italiano a Portugal? Depois, em vez de andar a falar com os santinhos vou falar com o deus... o primeiro-ministro. Ou então com o outro deus, Cavaco Silva.
Já tem data marcada?
Vou pedir uma audiência a José Sócrates nos próximos dias. Sócrates ainda não tomou posse, tem muito mais que fazer, eu entendo. Agora a lei também já saiu, temos tempo.
Acha que há algum desleixo político?
Eu nunca vivi numa situação destas e agora vamos associar-nos e ver o que conseguimos fazer. Se não conseguir nada vou para Espanha.
Mas os circos estão condenados?
Muitos circos pequenos sim, mas eu não tenho nada a ver com isso.
E o circo enquanto arte?
Nesse sentido acho que sim, porque o que traz as pessoas ao circo são animais.
Há o argumento de que podia haver mudanças, como quando se deixou de usar mulheres barbudas e anões...
Este ano vou trazer outra vez anões. Nos nos circos lidamos com os anões como um ser humano qualquer. E os cegos que andam todos a pedir em Lisboa, porque são cegos? Não é descriminação? Os ceguinhos deste país deviam ser acolhidos por quem de direito. É uma hipocrisia, uma fantuchada. Se o circo não pode ter animais, então não se pode montar mais a cavalo nem usar esporas ou ferros. O animal também sente. Mas depois sabe-se quem é que entra para defender os cavalos... andam os políticos, os empresários. É uma questão de descriminação, o circo é visto como algo inferior. Nós nunca incomodámos o governo, quer por subsídios ou outras coisas. Aqui há uns anos o zoo de Lisboa teve de modificar as instalações e não tinham dinheiro, o que é que fizeram? Levaram os animais para a porta da Assembleia da República.
É uma ideia?
Vou até ao fim do mundo e não tenho medo. Se for preciso monto lá a jaula dos leões à porta da Assembleia.
E entretanto, como se resolve o problema da procriação dos animais?
Vou pensar ainda... posso ir para Espanha viver. Em Espanha não é proibido.
Mas esterilizar é uma opção?
Está fora de questão. E castrar já agora?
Não sei se sabem mas um leão macho quando é adulto e é castrado perde a juba. Se for adolescente não tem a juba.
Se não der em nada, vou-me mesmo em embora.
Lá fora é melhor?
Cá somos uns coitadinhos, e toda a vida lutei contra isso. Há pessoas que estão sensibilizadas. O circo é antigo e muitas artes nasceram dele, como aliás me disse um antigo ministro Roberto Carneiro - como o ballet, o teatro. Depois é quem diz mal do país que é recebido em festas de gala por ministros da cultura.
Mas no estrangeiro têm subsídios?
Em Itália, num circo de primeira categoria, recebe-se 100 mil contos por ano. Passado quatro anos recebe-se outro subsídio para a renovação do material - para as tendas, para os carros eléctricos, para tudo. Em Espanha também há subsídios. Tirando Portugal, França, Espanha e Itália, todos têm subsídios.
Todos os circos têm direito a apoio?
Sim, mas depois a quantidade depende da dimensão do circo.
Era mesmo capaz de deixar o país?
Quando nasci os meus pais tinham o circo montado em Leça da Palmeira. Mas a minha terra é Portugal e sou, se calhar, um dos maiores nacionalistas. Os meus ídolos são Dom Afonso Henriques, Nuno Alvares Pereira e Viriato. Sou português a 100%. Sei quantos portugueses e quantos espanhóis estavam na batalha de Aljubarrota.
Deixava muitos amigos em Portugal?
Não tenciono sair. Saio para trabalhar. Tenho uma quinta em Pegões para onde tinha planos. No futuro, se quiser vir, deixo os animais em Espanha. Tenho amigos em todo o lado. Conheço jornalistas, jogadores, treinadores, gente do teatro e do cinema, presidentes, advogados, engraxadores de sapatos, ladrões, prostitutas. Passei a vida a andar de terra em terra e a conhecer a vida como ela é feita. Não andei na universidade, não tive vagar. Os meus estudos são a quarta classe, mas tenho a escola da vida.
E a família Cardinali?
A família é quem eu quero que seja. Agora sou eu e o meu filho. No ano passado morreu-nos um cavalo árabe que era o que ia à frente no número. O meu filho chorou tanto que parecia que lhe tinham morrido o pai e a mãe. Passado uma semana morreu uma tia e ele não chorou.
Também é uma forma diferente de encarar as coisas?
É uma forma de estar na vida. Eu tenho a cultura do circo mas também tenho outras culturas.
Sente-se um empresário?
Antes de ser um homem de negócios sou um homem do circo. O meu circo é uma empresa de sucesso, tenho mais sucesso do que a RTP. Não recebi subsídios, não peço nada a ninguém. Quando tenho necessidades vou ao banco.
Quanto é que vale o Circo Victor Hugo Cardinali?
Não faço essas contas. As minhas contas é tipo mercearia, tenho a minha sebenta e vou somando. Só de selos para os camiões são 20 mil contos (100 mil euros) por ano. Tirando IRC, IRC.
Mas investiu muito?
Gastei fortunas em camiões, transportes, elefantes. Já investi tudo no meu circo. Tenho duas bancadas novas, cadeiras do melhor que há no mundo. Tenho tendas novas, animais novos que ninguém tem e ninguém quer. Eu fui à Madeira com o PSD e vi pessoas que nunca tinham visto um elefante na vida. Mostrei-lhes um leão branco. Muitos portugueses conheceram animais com o circo. É cultura.
Os seus funcionários ainda tiram 400 euros por dia, como há uns anos?
Tem de ser um grande artista e só nos espectáculos de Natal. É como em todas as profissões: os bons são os que vencem. Eu quando era puto disse "quando for grande quero ser bom". Consegui, sem subsídios e sem pedir nada ao estado. A trabalhar. Há os que falam muito mas nunca lamberam uma lágrima.
Sentem a crise?
O circo vai andando conforme o país. Mas não há descontrolo. O único sítio onde há descontrolo é na justiça portuguesa por não condenar as coisas que são provadas. No circo não há descontrolo. Os juízes é que não conseguem condenar os criminosos.
Este cerco da lei é o primeiro golpe?
É o primeiro e um grande golpe. Tenho 53 anos e vou morrer primeiro que os elefantes, se tudo correr bem. Mas também pode agora aparecer uma doença, morre um leão ou dois e fico com um número partido. Se o número acabar, os leões ficam ali parados. O que é que se faz? Depois disto só a morte. Mas eu da morte nunca tive medo - dia sim, dia não arrisco a vida.
Acha que vão vencer a lei?
Vou fazer tudo por isso.
Já em Dezembro de 2005, numa entrevista ao Rádio Clube Português, confrontado com provas recolhidas e apresentadas publicamente pela ANIMAL de exercício de violência física contra os seus elefantes num dos seus espectáculos de circo, Victor Hugo Cardinali respondeu: “Eu bati no elefante porque ele não queria fazer o exercício, e isso não nego. Nós não podemos deixar que um animal faça aquilo que quer, ou então não há respeito e o domador não está ali a fazer nada".
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"Os meus animais vivem melhor que dois milhões de pobres do país"
Proprietário de um dos circos mais famosos em Portugal em guerra contra a nova lei que anuncia o fim dos espectáculos com animais
(In “Ionline.pt”, 17 de Outubro de 2009)
Elvas torra debaixo do sol de Outono. A tenda do circo vai recortando o céu, vazia por dentro. Um tecto carregado de estrelas desenhadas numa lona nova, camiões, pó. Os cartazes de sempre anunciam palhaços e um leão branco - o leão branco! - espalhados vila a dentro como sinais de pista. É hora de almoço. Ouvem-se tigres e elefantes. Os tigres estão nas jaulas, os elefantes estão soltos, sem vedação. Uma fita traça o limite do recreio dos grandes mamíferos. Tocam-nos com a tromba e engolem maçãs apanhadas numa quinta em Pegões. O circo monta-se no tempo que houver, diz Victor Hugo Cardinali. Desta vez não há pressa. Vêm de Portalegre. Os dois meses de Verão não tiveram mais calor que os últimos dias. O tempo vai sendo palmilhado na direcção do Natal, um dos principais lugares do espectáculo no calendário - e no coração. Aos 53 anos, Cardinali manda. O circo é dele. A história é dele. "Samba nein". Os elefantes só percebem as ordens em alemão. "Come on Sonho, good boy". Sonho, o felino de 250 quilos, segue o inglês e rebola-se das mãos do dono. Distrai-se e até dá para fazer festas. Com medo, claro. Não há música de circo, não há roupas garridas, apenas um homem a brincar com um leão no interior de uma jaula.
O fim dos animais selvagens no circo pode acabar com o espectáculo?
Portugal é um país que gosta de circo por natureza. Temos muito público em qualquer cidade. Mas sim, conquistamos pelos as pessoas com os animais - em Portugal, só eu é que tenho elefantes, tigres brancos, leões, camelos. Sem animais há menos interesse. No Natal tenho um circo em Algés e outro no Parque das Nações, o primeiro não tem animais. Para o outro já tenho sessões esgotadas com dois meses de antecedência.
Há quanto tempo trabalha com animais?
O negócio veio do meu pai, mas não tinha leões nem elefantes. Agora não posso precisar, mas começámos há cerca de 70 anos. Não tinham leões e elefantes porque era muito difícil trazê-los para Portugal. Nós só conseguimos comprar os elefantes quando deram a independência à Namíbia. Conheci um alemão que tinha uma reserva e conseguiu trazer 14 elefantes, nós ficámos com oito.
Quanto custaram?
Na altura, em 1988, cada um custou 1250 contos (6250 euros).
Que crítica faz a esta nova portaria?
Vivemos num país de touradas. Acho que estamos a ser discriminados porque somos o elo mais fraco. Depois, também há muita portaria que sai e não é aplicada. Vai-se a Jardim Zoológico de Lisboa ou ao Zoo Marine e vêem-se lá golfinhos, focas. Qual é a diferença entre eu ter um elefante e o Zoo Marine ter um golfinho ou uma foca? Estão todos em cativeiro... os golfinhos também deviam andar no mar. Os passarinhos também deviam andar soltos e estão em gaiolas. Já perguntei a um biólogo do Instituto de Conservação da Natureza e disseram-me que era a mesma coisa.
É um preconceito?
É um preconceito, mas não acho que seja só contra o circo. As associações de defesa dos direitos dos animais são contra as touradas, contra os animais domésticos. Os animais têm de ser tratados como animais: com dignidade, bem tratados, mas como animais. Deviam preocupar-se com os 25 mil idosos que este país tem em lares, com as 10 mil crianças em instituições sem que ninguém as adopte e com dois milhões de pobres no nosso pais. Os animais que eu tenho vivem melhor do que os dois milhões de pobres deste país. Têm comida a horas, são lavados e desinfectados.
Quanto custa mantê-los?
Por mês gasto 50 mil euros com alimentação. Os frangos vêm sempre de um aviário no Cadaval, que vai levar a carne onde estamos. Desde que proibiram a carne de vaca rejeitada, os animais comem a mesma que nós. Um leão come cinco frangos por dia. O feno vem de Braga - vão ao Algarve, a Trás-os-Montes, a Lisboa. Vou buscar sempre a ração à Malveira, para os animais não terem cólicas. Chego a fazer 500 quilómetros para ir buscar serradura de pinho. Tenho um camião só para o feno, um camião só para a ração, um camião frigorifico.
Mas essa não é a realidade de todos os circos...
Claro, mas não foi por isso que escreveram a nova lei. Nesse caso acabavam com os circos que não tinham condições para ter animais.
Quando custa agora um leão?
O branco custou 50 mil euros...tenho quatro e é suposto viver 20 anos ou 25 anos.
Têm veterinários?
Connosco não. Temos um veterinário no Norte e outro no Algarve, depois também recorremos aos veterinário das câmaras. Há 10 anos morreu-me um elefante em Aveiro. Corri os veterinários todos a ver se alguém podia ajudar - ninguém sabia o que fazer. Não têm formação para tratar dos animais selvagens.
Há inspecções regulares aos circos?
Quando o circo chega, requere-se uma vistoria. Vem uma equipa da câmara que vê o material, os extintores. Vem também o veterinário camarário para ver o que é que os animais comem, o que bebem, qual é o estado das boxes.
É igual em todas as cidades?
É. Há uma ou outra onde não aparece ninguém.
Porquê?
Sei lá, não vêm porque não lhes apetece. Têm outras obras em mãos, já sabem qual é o "ram ram" do circo.
Há falta de autoridade na fiscalização?
Há. Mas o circo vai sobreviver a esta situação. A partir de agora temo de nos unir.
A Animal fala de lobby dos circos. Como reage?
A Animal está bem inserida. Porque é chamam a Animal e não outras associações? Podiam ter-nos chamado. Nós sabemos o que acontece no mundo e nenhum país da Europa Ocidental foi com isto para a frente. Houve a Áustria, mas a Comissão Europeia deu-nos razão.
Ao reagir em bloco não se está a criar uma imagem única?
Nunca quis funcionar em bloco, não sou hipócrita. Estou no circo, tenho animais e sei que tenho de ter condições. Perante uma lei, tenho de juntar-me a outros para combatê-la. Esta semana falámos dois ou três. Antigamente víamos circos por aí, caravanas pequenas. Se uma pessoa não ganha dinheiro não pode ter condições e isso tem a ver com o sucesso individual. Eu nunca pactuei com os que não cumprem e sempre disse que não somos todos farinha do mesmo saco.
Tem amigos no circo?
Tenho os meus filhos. Não me dou com as pessoas do circo, tive mais sucesso e eles não gostam de mim. Como tenho mais dinheiro do que eles, pensam que vivo de droga e notas falsas. Há uma rivalidade que tem a ver com inveja. Mas em termos de qualidade, não sou eu que tenho de falar disso. Se a opção de um circo é não ter qualidade, é preciso fiscalização. Não há ninguém que diga "veja lá que isto está tudo enferrujado."
Mas as acusações de violação dos direitos do animais também lsão dirigidas ao Circo Victor Hugo Cardinali...
Lembro-me de uma cena com o circo da Soledad Cardinali. Estava alguém com os cavalos e viram uma chicotada. Também disseram coisas de nós. Eu também levei quando era puto, mas nem é esse o caso. São radicais, para não dizer pior. Houve uma seca aqui há uns anos em que estavam vacas e ovelhas a morrer no Alentejo e não se viu lá nenhum homem dos direitos dos animais. Noutro dia, o Circo Chen deixou fugir dois trigres, foi um acidente, mas na mesma hora apareceram as televisões e os activistas. Depois, nunca nenhum desses senhores pediu para visitar a minha casa e conhecer as minhas instalações. Eles defendem o quê para viverem de peditórios? O principal argumento é que o circo é um negócio e que os animais selvagens não devem ser usados. Mas estes animais nasceram em cativeiro.
O que acha destas associações?
Esses movimentos dos animais já andam há anos lá fora. Isso da Animal vem tudo dos ingleses - uma vez foram a uma quinta que criava porquinhos da índia e fizeram 40 atentados contra aquela família, o último foi ir profanar uma campa da sogra da família. Levaram o corpo. Não é normal...
É uma questão de liberdade?
É suposto os animais estarem na selva? Também é suposto um homem casar com uma mulher, há séculos e séculos. E não estamos a mudar isso? Eu não tenho nada contra, porque é que hão-de ter contra mim?
O argumento de que o circo deve mudar porque a sociedade também mudou diz-lhe alguma coisa?
Falam-me de evolução, mas a única evolução que eu vejo é os homens poderem casar uns com os outros. Os pobres no Alentejo continuam os mesmos, os ricos estão cada vez mais ricos. Agora temos de desistir dos nossos animais quando não faz qualquer sentido pensar em mudança - em Portugal há corridas de touros, montam-se os cavalos, há jardins zoológicos. No circo não há sangue. Eu não sou contra a tourada, espeta-se uma farpa no animal mas depois há uma série de outras coisas a favor - a plástica, a arte, a valentia, o gosto das pessoas que vão ver, a música, a arte de quem toureia. Há quem não goste. Mas há quem goste. Também há quem não coma carne e peixe. São a minoria. Os homens casarem uns com os outros, para mim é a maior evolução.
É uma incoerência?
É uma incoerência das grandes. É uma hipocrisia. Isto é uma selva. Eu entendo que há gente que não gosta de circo, eu não gosto de ópera. Aborrece-me.
Uma das queixas é que os animais passam os dias enfiados na jaula sem actuar...
É mentira e sei que sou suspeito a dizer que é mentira. Mas os homens dos direitos dos animais nunca vieram a minha casa pedir-me para ver as condições.
Como é o dia de um leão?
Está na jaula, é a casa dele. De manhã é limpa a jaula, dá-se água e de comer. E depois ou estão na serradura [no exterior] ou na cama. Têm uma jaula montada na rua onde estão durante o dia.
Como é que são treinados?
Nós não conseguimos ensinar ninguém com maus tratos. Para ensinar um trigre ou um cavalo tem de ser a bem. Um cavalo é com açúcar, maçãs, cenouras. Um leão é com carne - temos uma cana e metemos carne na ponta. Se quero que ele venha para cima da cadeira, mostro-lhe a carne. Sobe uma vez, dou-lhe muita carne e depois vou-me embora. Nos tamboretes a mesma coisa, quero que ele salte o arco vou afastando gradualmente. Espero que ele se habitue ao objecto estranho.
E batem nos animais?
Se for preciso dá-se um toque. Quem é que nunca deu uma galheta no seu filho? Eu não sou contra que um cavalo leve uma vergastada, desde que esteja bem alimentado, desparasitado, limpo.
Quem é que mexe nos animais?
Sou só eu e o meu filho. Temos outras pessoas que tratam da limpeza, mas nós é que lidamos com eles.
Mas passa essa cultura para as pessoas que trabalham consigo?
Um animal castigado é sempre revoltado, perigoso. Os animais são como as pessoas. Isto também é uma questão de gosto por aquilo que fazemos. Ninguém vira as costas ao leão, é sempre um animal feroz.
Há perigo para o público?
Eu não deixo o público chegar perto dos animais. Antigamente espicaçavam-nos - os miúdos queriam ver o leão ou o tigre a dormir e mandavam pedras para eles se levantarem e isso era perigoso.
De onde vem a imagem de maus-tratos no circo?
É tão antigo... Não nasceu em Portugal. Nasceu pela Europa fora; cada cabeça sua sentença. Eu não sou racista, há pessoas que têm pavor aos ciganos, a mim não me faz confusão desde que não se metam comigo.
Vive-se um bom ambiente?
Há sempre a concorrência... Porque é que o Futebol Clube do Porto tem sempre problemas com toda a gente? Porque é o que ganha mais vezes - porque ganham, dizem que compram os árbitros. Ser o melhor é difícil.
O futuro dos circos não pode ser um formato do género Circo du Soleil?
Portugal não é país para o Circo do Soleil.
Porquê?
A cultura do povo português não passa por aí. Em Lisboa, percebe-se o Circo do Soleil. Mas o país real quer o circo tradicional. Sem animais ninguém vai ao circo. O que leva as pessoas ao circo é o tigre branco, o leão branco. Um cavalo qualquer pessoa pode ter.
Que espectáculo recorda mais?
Foi o circo russo do gelo - havia duas pistas e vários ursos patinavam e jogavam hóquei no gelo. Na Rússia os ursos são tratados como cães. Agora, se eu quiser contratar estes espectáculos, posso? Porque é que um artista francês ou alemão não poderá vir a Portugal?
Em poucos meses saíram três portarias que afectam o trabalho nos circos. A lei está a ser precipitada?
Há uma coisa que não percebo. No princípio de Maio entrei pela primeira vez no Parlamento. Fez-se uma petição para acabar com os animais do circo. Estive lá e vi que o governo PS e PSD votaram a favor dos circos, portanto a maioria. Bloco de Esquerda, PCP e Verdes votaram contra. Passados quatro ou cinco meses aparece esta portaria...
Vai procurar respostas?
A Associação Europeia de Circos vai apoiar-nos e já estamos em conversações para recorrer. Na Europa há o exemplo da Áustria, em que se considerou que os circos tinham razão. Então agora deixo de poder trazer um espectáculo de um artista espanhol, francês ou italiano a Portugal? Depois, em vez de andar a falar com os santinhos vou falar com o deus... o primeiro-ministro. Ou então com o outro deus, Cavaco Silva.
Já tem data marcada?
Vou pedir uma audiência a José Sócrates nos próximos dias. Sócrates ainda não tomou posse, tem muito mais que fazer, eu entendo. Agora a lei também já saiu, temos tempo.
Acha que há algum desleixo político?
Eu nunca vivi numa situação destas e agora vamos associar-nos e ver o que conseguimos fazer. Se não conseguir nada vou para Espanha.
Mas os circos estão condenados?
Muitos circos pequenos sim, mas eu não tenho nada a ver com isso.
E o circo enquanto arte?
Nesse sentido acho que sim, porque o que traz as pessoas ao circo são animais.
Há o argumento de que podia haver mudanças, como quando se deixou de usar mulheres barbudas e anões...
Este ano vou trazer outra vez anões. Nos nos circos lidamos com os anões como um ser humano qualquer. E os cegos que andam todos a pedir em Lisboa, porque são cegos? Não é descriminação? Os ceguinhos deste país deviam ser acolhidos por quem de direito. É uma hipocrisia, uma fantuchada. Se o circo não pode ter animais, então não se pode montar mais a cavalo nem usar esporas ou ferros. O animal também sente. Mas depois sabe-se quem é que entra para defender os cavalos... andam os políticos, os empresários. É uma questão de descriminação, o circo é visto como algo inferior. Nós nunca incomodámos o governo, quer por subsídios ou outras coisas. Aqui há uns anos o zoo de Lisboa teve de modificar as instalações e não tinham dinheiro, o que é que fizeram? Levaram os animais para a porta da Assembleia da República.
É uma ideia?
Vou até ao fim do mundo e não tenho medo. Se for preciso monto lá a jaula dos leões à porta da Assembleia.
E entretanto, como se resolve o problema da procriação dos animais?
Vou pensar ainda... posso ir para Espanha viver. Em Espanha não é proibido.
Mas esterilizar é uma opção?
Está fora de questão. E castrar já agora?
Não sei se sabem mas um leão macho quando é adulto e é castrado perde a juba. Se for adolescente não tem a juba.
Se não der em nada, vou-me mesmo em embora.
Lá fora é melhor?
Cá somos uns coitadinhos, e toda a vida lutei contra isso. Há pessoas que estão sensibilizadas. O circo é antigo e muitas artes nasceram dele, como aliás me disse um antigo ministro Roberto Carneiro - como o ballet, o teatro. Depois é quem diz mal do país que é recebido em festas de gala por ministros da cultura.
Mas no estrangeiro têm subsídios?
Em Itália, num circo de primeira categoria, recebe-se 100 mil contos por ano. Passado quatro anos recebe-se outro subsídio para a renovação do material - para as tendas, para os carros eléctricos, para tudo. Em Espanha também há subsídios. Tirando Portugal, França, Espanha e Itália, todos têm subsídios.
Todos os circos têm direito a apoio?
Sim, mas depois a quantidade depende da dimensão do circo.
Era mesmo capaz de deixar o país?
Quando nasci os meus pais tinham o circo montado em Leça da Palmeira. Mas a minha terra é Portugal e sou, se calhar, um dos maiores nacionalistas. Os meus ídolos são Dom Afonso Henriques, Nuno Alvares Pereira e Viriato. Sou português a 100%. Sei quantos portugueses e quantos espanhóis estavam na batalha de Aljubarrota.
Deixava muitos amigos em Portugal?
Não tenciono sair. Saio para trabalhar. Tenho uma quinta em Pegões para onde tinha planos. No futuro, se quiser vir, deixo os animais em Espanha. Tenho amigos em todo o lado. Conheço jornalistas, jogadores, treinadores, gente do teatro e do cinema, presidentes, advogados, engraxadores de sapatos, ladrões, prostitutas. Passei a vida a andar de terra em terra e a conhecer a vida como ela é feita. Não andei na universidade, não tive vagar. Os meus estudos são a quarta classe, mas tenho a escola da vida.
E a família Cardinali?
A família é quem eu quero que seja. Agora sou eu e o meu filho. No ano passado morreu-nos um cavalo árabe que era o que ia à frente no número. O meu filho chorou tanto que parecia que lhe tinham morrido o pai e a mãe. Passado uma semana morreu uma tia e ele não chorou.
Também é uma forma diferente de encarar as coisas?
É uma forma de estar na vida. Eu tenho a cultura do circo mas também tenho outras culturas.
Sente-se um empresário?
Antes de ser um homem de negócios sou um homem do circo. O meu circo é uma empresa de sucesso, tenho mais sucesso do que a RTP. Não recebi subsídios, não peço nada a ninguém. Quando tenho necessidades vou ao banco.
Quanto é que vale o Circo Victor Hugo Cardinali?
Não faço essas contas. As minhas contas é tipo mercearia, tenho a minha sebenta e vou somando. Só de selos para os camiões são 20 mil contos (100 mil euros) por ano. Tirando IRC, IRC.
Mas investiu muito?
Gastei fortunas em camiões, transportes, elefantes. Já investi tudo no meu circo. Tenho duas bancadas novas, cadeiras do melhor que há no mundo. Tenho tendas novas, animais novos que ninguém tem e ninguém quer. Eu fui à Madeira com o PSD e vi pessoas que nunca tinham visto um elefante na vida. Mostrei-lhes um leão branco. Muitos portugueses conheceram animais com o circo. É cultura.
Os seus funcionários ainda tiram 400 euros por dia, como há uns anos?
Tem de ser um grande artista e só nos espectáculos de Natal. É como em todas as profissões: os bons são os que vencem. Eu quando era puto disse "quando for grande quero ser bom". Consegui, sem subsídios e sem pedir nada ao estado. A trabalhar. Há os que falam muito mas nunca lamberam uma lágrima.
Sentem a crise?
O circo vai andando conforme o país. Mas não há descontrolo. O único sítio onde há descontrolo é na justiça portuguesa por não condenar as coisas que são provadas. No circo não há descontrolo. Os juízes é que não conseguem condenar os criminosos.
Este cerco da lei é o primeiro golpe?
É o primeiro e um grande golpe. Tenho 53 anos e vou morrer primeiro que os elefantes, se tudo correr bem. Mas também pode agora aparecer uma doença, morre um leão ou dois e fico com um número partido. Se o número acabar, os leões ficam ali parados. O que é que se faz? Depois disto só a morte. Mas eu da morte nunca tive medo - dia sim, dia não arrisco a vida.
Acha que vão vencer a lei?
Vou fazer tudo por isso.