(Por Manuel António Pina. In “Jornal de Notícias”, 4 de Maio de 2009)
Os jornais divulgaram há tempos uns versos de um indivíduo condenado nos EUA pelo assassínio de um mendigo: "Vê-os morrer./ Adoro vê-los agonizar: vomitam, gritam, choram". Adorno explica a barbárie como persistência, no ser humano, das formas mais primitivas de agressividade, defendendo que "a questão mais urgente da educação contemporânea é a desbarbarização da humanidade". Neste sentido, o não licenciamento de touradas por (para já) quatro autarquias - Viana do Castelo, Braga, Cascais e Sintra - é um acto fundamentalmente educativo. Contra ele, esgotado o argumentário da "tradição", a razão cínica - a razão cínica consegue justificar tudo, de Auschwitz ao terrorismo - fixa-se agora na circunstância de aqueles que condenam as touradas comerem carne. De facto, a Biologia e a História fizeram de nós animais comedores de cadáveres. Há, no entanto, uma diferença (uma diferença moral) entre comer carne e fazer - "pecado contra a natureza", diria Pound - da agonia e morte de um animal um espectáculo, tirando sórdido prazer de o ver espetar, martirizar, vomitar sangue. Nenhum outro animal o faz.
Os jornais divulgaram há tempos uns versos de um indivíduo condenado nos EUA pelo assassínio de um mendigo: "Vê-os morrer./ Adoro vê-los agonizar: vomitam, gritam, choram". Adorno explica a barbárie como persistência, no ser humano, das formas mais primitivas de agressividade, defendendo que "a questão mais urgente da educação contemporânea é a desbarbarização da humanidade". Neste sentido, o não licenciamento de touradas por (para já) quatro autarquias - Viana do Castelo, Braga, Cascais e Sintra - é um acto fundamentalmente educativo. Contra ele, esgotado o argumentário da "tradição", a razão cínica - a razão cínica consegue justificar tudo, de Auschwitz ao terrorismo - fixa-se agora na circunstância de aqueles que condenam as touradas comerem carne. De facto, a Biologia e a História fizeram de nós animais comedores de cadáveres. Há, no entanto, uma diferença (uma diferença moral) entre comer carne e fazer - "pecado contra a natureza", diria Pound - da agonia e morte de um animal um espectáculo, tirando sórdido prazer de o ver espetar, martirizar, vomitar sangue. Nenhum outro animal o faz.