terça-feira, 12 de maio de 2009

Touros de morte nos Açores dividem parlamento regional

Mais de 400 petições contestam diploma que, com discussão agendada para amanhã, permite as corridas de touros picadas

(Por Tolentino de Nóbrega. In “Público”, 11 de Maio de 2009)

O projecto de decreto legislativo regional que legaliza as corridas de touros picadas nos Açores, com discussão em plenário agendada para amanhã tarde, divide praticamente a meio o parlamento açoriano.

A aprovação do diploma que desafia a proibição nacional contra touros de morte está dependente apenas do voto de três deputados, já que o projecto foi subscrito por 26 dos 57 deputados açorianos, atravessando quase todo o espectro partidário (PS, PSD, CDS-PP e PPM). Só não conta com o apoio de deputados do PCP e do Bloco de Esquerda, dispondo os deputados socialistas e sociais-democratas de liberdade para votar de acordo com a sua “consciência”, como anunciaram os respectivos líderes partidários.

Na comissão especializada o diploma foi aprovado com seis votos a favor (três do PS e três do PSD) e quatro votos contra (todos do PS), tendo sido ainda registadas duas abstenções (uma do CDS-PP e uma do PSD).

Sinal do peso das ilhas e da divisão interna nesta matéria, o chefe do governo regional, Carlos César, manifestou-se pessoalmente contra a introdução da denominada sorte de varas, enquanto o terceirense Francisco Coelho, presidente do parlamento e também do PS, é favorável às corridas de touros picadas. Por falta de consenso, a questão volta a ser debatida esta manhã, pela terceira vez, pela bancada socialista, cujo líder Hélder Silva não antevê “uma alteração desse quadro”, pelo que “muito provavelmente o grupo parlamentar estará dividido”.

O diploma surge na sequência do novo Estatuto dos Açores, que atribui ao parlamento competências para legislar em matéria de espectáculos e divertimentos públicos na região, onde se incluem as touradas e tradições tauromáquicas. Com idêntico articulado, um decreto aprovado em 2002 foi chumbado pelo Tribunal Constitucional que, no acórdão n.º 473/02, diz não encontrar razões específicas para excluir a região da proibição nacional ancorada na protecção dos animais. Sustentou ainda a declaração de inconstitucionalidade do diploma na reserva de competência própria dos órgãos de soberania.

Na opinião do jurista e historiador Álvaro Monjardino, o “obstáculo às touradas picadas”, invocado “de forma especiosa e forçada” pelo Tribunal Constitucional, já desapareceu com a revisão constitucional de 2004 e com a decorrente revisão do Estatuto, vetado e promulgado pelo Presidente da República, após controverso processo legislativo.