Depois de o governo ter proibido a compra de animais exóticos, surge a resposta dos circos. E até há um caso na Europa que dá razão a quem defende estes espectáculos
(Por Alexandre Soares e Marta F. Reis. In “Ionline.pt”, 14 de Outubro de 2009)
Ao terceiro dia de Setembro, a proibição contra os grandes símios. Duas semanas depois, novas regras para policiar a saúde e a circulação dos animais. Ontem entrou em vigor mais uma portaria: os circos passam a estar proibidos de possuir elefantes, tigres e outros animais exóticos. Das três vezes, os circos queixaram-se dos excessos da lei. Ontem reagiram: a Associação Europeia de Circos está a preparar um processo contra o Estado português, o único na Europa que proíbe a compra de novos animais e condena até a sua reprodução em cativeiro.
Ao i, Laura van der Meer - directora da Federação Mundial de Circo e responsável da Associação Europeia de Circos - garante que já estão a correr os "contactos relativos a um processo judicial contra o governo", que será conduzido primeiro "pelas partes directamente interessadas em Portugal".
O processo judicial tem antecedentes: Em 2005, a Áustria criou uma proibição semelhante e foi condenada pela Comissão Europeia, lembra Van Der Meer. Contudo, o processo acabaria por cair devido a pressões das associações ligadas aos direitos dos animais, para só ser reavaliado quatro anos depois. Em Junho de 2009, o provedor de justiça europeu concluiu a investigação sobre o caso e determinou que a Comissão tinha "abdicado do seu papel enquanto guardiã do Tratado". E, na sequência deste parecer, recomendou que reactivasse o processo ou apontasse uma razão legal para não o fazer. Laura van der Meer lembra ainda que, em 2005, o Parlamento Europeu reconheceu o circo como "bem cultural" e que "recentemente o novo presidente do Conselho da União Europeia para a Educação, Juventude e Cultura se comprometeu a trabalhar com a Federação para aumentar o reconhecimento e o apoio aos circos, incluindo a apresentação de animais".
O que diz a nova lei A portaria publicada segunda-feira impede a exibição de dezenas de animais no circo e proíbe a sua reprodução. Os argumentos utilizados são três: "conservação das espécies", "bem-estar e saúde desses exemplares" e garantir a "segurança" e o "bem-estar" dos cidadãos. No entanto, para Victor Hugo Cardinalli, do Circo Cardinalli, "falar de saúde pública não faz sentido. Todos os animais são vacinados, tratados e bem cuidados".
A portaria começou a ser preparada em Junho, quando o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) foi contactado pelo Ministério do Ambiente para esclarecer "questões técnicas" sobre animais selvagens. Umas semanas mais tarde, o ICNB decidiu contactar algumas entidades da área. Uma delas, a Associação Animal, há pelo menos 15 anos que trabalha na protecção dos animais. Para Miguel Moutinho, "são anos e anos de trabalho, de recolha de documentação e provas que denunciam situações graves de tráfico e violação dos direitos dos animais", garante o responsável da associação.
Em Agosto, a Animal tinha feito duas recomendações: "Proibir a reprodução destes animais e a sua esterilização obrigatória." A primeira recomendação entra na portaria publicada esta semana, a segunda fica de fora da nova lei. "O legislador esqueceu-se de mandar fabricar preservativos para os tigres", ironiza Miguel Chen, do circo Chen. E nem o argumento da saúde pública tem adeptos: "Não faz sentido", garante Jaime Nina, coordenador de Doenças Infecto-Contagiosas no Instituto Ricardo Jorge. "Está por provar que os animais são maltratados" [...] "e é extremamente rara a transmissão de doenças exóticas".
Os valores envolvidos Apesar do cerco, os circos ainda não morreram. Segundo dados revelados ao i pelo INE, a actividade está em recuperação, após uma queda abrupta em 2006. Nesse ano, as receitas caíram para os 551 mil euros, antes de dispararem nos últimos anos. De acordo com os últimos dados, de 2007, 285 mil espectadores renderam aos empresários do circo 871 mil euros. Mesmo assim, o circo é dos espectáculos ao vivo menos lucrativos: atrás só o folclore e os receitais de coros. Comparando com o futebol, a diferença é abissal: as três primeiras jornadas da Liga Sagres tiveram tantos espectadores como toda uma temporada circense. Os espectáculos de circo em Portugal também são um grão de areia no contexto internacional: só o Cirque de Soleil facturou 404 milhões de euros em 2007.
Os outros decretos Além da nova portaria, as outras leis publicadas este ano também lançam novas proibições sobre os circos. O decreto sobre os grandes símios declarou "proibido o uso em circos, exposições, números com animais e manifestações similares" de chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos e configura a violação como uma "contra--ordenação ambiental muito grave". Coima máxima: 2,5 milhões de euros. Duas semanas depois, a 24 de Setembro de 2009, chegava o segundo decreto, que, informa o Ministério da Agricultura, "procura assegurar que os circos ou outros eventos similares que utilizem animais respeitem as suas condições de saúde e bem-estar." Esta semana os circos receberam mais uma má notícia.
(Por Alexandre Soares e Marta F. Reis. In “Ionline.pt”, 14 de Outubro de 2009)
Ao terceiro dia de Setembro, a proibição contra os grandes símios. Duas semanas depois, novas regras para policiar a saúde e a circulação dos animais. Ontem entrou em vigor mais uma portaria: os circos passam a estar proibidos de possuir elefantes, tigres e outros animais exóticos. Das três vezes, os circos queixaram-se dos excessos da lei. Ontem reagiram: a Associação Europeia de Circos está a preparar um processo contra o Estado português, o único na Europa que proíbe a compra de novos animais e condena até a sua reprodução em cativeiro.
Ao i, Laura van der Meer - directora da Federação Mundial de Circo e responsável da Associação Europeia de Circos - garante que já estão a correr os "contactos relativos a um processo judicial contra o governo", que será conduzido primeiro "pelas partes directamente interessadas em Portugal".
O processo judicial tem antecedentes: Em 2005, a Áustria criou uma proibição semelhante e foi condenada pela Comissão Europeia, lembra Van Der Meer. Contudo, o processo acabaria por cair devido a pressões das associações ligadas aos direitos dos animais, para só ser reavaliado quatro anos depois. Em Junho de 2009, o provedor de justiça europeu concluiu a investigação sobre o caso e determinou que a Comissão tinha "abdicado do seu papel enquanto guardiã do Tratado". E, na sequência deste parecer, recomendou que reactivasse o processo ou apontasse uma razão legal para não o fazer. Laura van der Meer lembra ainda que, em 2005, o Parlamento Europeu reconheceu o circo como "bem cultural" e que "recentemente o novo presidente do Conselho da União Europeia para a Educação, Juventude e Cultura se comprometeu a trabalhar com a Federação para aumentar o reconhecimento e o apoio aos circos, incluindo a apresentação de animais".
O que diz a nova lei A portaria publicada segunda-feira impede a exibição de dezenas de animais no circo e proíbe a sua reprodução. Os argumentos utilizados são três: "conservação das espécies", "bem-estar e saúde desses exemplares" e garantir a "segurança" e o "bem-estar" dos cidadãos. No entanto, para Victor Hugo Cardinalli, do Circo Cardinalli, "falar de saúde pública não faz sentido. Todos os animais são vacinados, tratados e bem cuidados".
A portaria começou a ser preparada em Junho, quando o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) foi contactado pelo Ministério do Ambiente para esclarecer "questões técnicas" sobre animais selvagens. Umas semanas mais tarde, o ICNB decidiu contactar algumas entidades da área. Uma delas, a Associação Animal, há pelo menos 15 anos que trabalha na protecção dos animais. Para Miguel Moutinho, "são anos e anos de trabalho, de recolha de documentação e provas que denunciam situações graves de tráfico e violação dos direitos dos animais", garante o responsável da associação.
Em Agosto, a Animal tinha feito duas recomendações: "Proibir a reprodução destes animais e a sua esterilização obrigatória." A primeira recomendação entra na portaria publicada esta semana, a segunda fica de fora da nova lei. "O legislador esqueceu-se de mandar fabricar preservativos para os tigres", ironiza Miguel Chen, do circo Chen. E nem o argumento da saúde pública tem adeptos: "Não faz sentido", garante Jaime Nina, coordenador de Doenças Infecto-Contagiosas no Instituto Ricardo Jorge. "Está por provar que os animais são maltratados" [...] "e é extremamente rara a transmissão de doenças exóticas".
Os valores envolvidos Apesar do cerco, os circos ainda não morreram. Segundo dados revelados ao i pelo INE, a actividade está em recuperação, após uma queda abrupta em 2006. Nesse ano, as receitas caíram para os 551 mil euros, antes de dispararem nos últimos anos. De acordo com os últimos dados, de 2007, 285 mil espectadores renderam aos empresários do circo 871 mil euros. Mesmo assim, o circo é dos espectáculos ao vivo menos lucrativos: atrás só o folclore e os receitais de coros. Comparando com o futebol, a diferença é abissal: as três primeiras jornadas da Liga Sagres tiveram tantos espectadores como toda uma temporada circense. Os espectáculos de circo em Portugal também são um grão de areia no contexto internacional: só o Cirque de Soleil facturou 404 milhões de euros em 2007.
Os outros decretos Além da nova portaria, as outras leis publicadas este ano também lançam novas proibições sobre os circos. O decreto sobre os grandes símios declarou "proibido o uso em circos, exposições, números com animais e manifestações similares" de chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos e configura a violação como uma "contra--ordenação ambiental muito grave". Coima máxima: 2,5 milhões de euros. Duas semanas depois, a 24 de Setembro de 2009, chegava o segundo decreto, que, informa o Ministério da Agricultura, "procura assegurar que os circos ou outros eventos similares que utilizem animais respeitem as suas condições de saúde e bem-estar." Esta semana os circos receberam mais uma má notícia.